A última semana foi marcada por duas diligências no Acre da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga a atuação de ONGs na Amazônia Brasileira, do Senado Federal. Em uma das agendas, no município de Epitaciolândia, os senadores ouviram uma série de denúncias de moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes, na região do Alto Acre.
Os moradores relataram que há dificuldade para conseguir licença ambiental para a abertura de ramais, o que aumenta o isolamento na região, limite para produção extrativista e agrícola, além de defasagem no sistema de cadastro dos moradores que vivem na reserva. Os dados são essenciais para concessão de políticas públicas aos moradores. A Resex é coordenada pelo Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Em nota, o órgão negou as acusações e afirmou que cumpre a lei, “combatendo o desmatamento e a venda ilegal de terras dentro das reservas extrativistas”.
O ICMBio declarou ainda que a sua missão é “proteger a natureza e promover o desenvolvimento sustentável de populações extrativistas”.
Uma das denunciantes ouvidas na CPI, disse que o seu filho não consegue ter acesso à educação por conta de embargos realizados pelo ICMBio. Ainda na nota, o órgão esclarece que “não impede a instalação de escolas e postos de saúde de responsabilidade de outras esferas de governo”.
Em um dos relatos mais graves, o presidente da Associação dos moradores da Resex, Romário Campelo, falou sobre uma operação do ICMBio, realizada em parceria com a Polícia Federal e da Força Nacional, que prendeu moradores da Resex. “Colocou um pai de família, que tá lá dentro da reserva, muito antes da criação da Resex, sob a mira de um fuzil L-47”.
O ICMBio também negou as acusações e disse que os fiscais do órgão não usam fuzil em operações de fiscalização.
O presidente da CPI, senador Plinio Valério (PSDB/AM), informou que o grupo deve apresentar uma denúncia formal ao Ministério Público Federal após ouvir os relatos de moradores da Reserva Extrativista Chico Mendes. De acordo com o presidente, o prazo para que a denúncia seja protocolada é até a próxima quarta-feira, 25 de outubro.
O que aconteceu nas diligências no Acre
Rosângela Nascimento, que mora em uma colocação sentindo Rodovia AC-317, com mais 80 km de ramal, foi uma das moradoras da Resex Chico Mendes que prestou depoimento na CPI das ONGs, durante a audiência em Epitaciolândia.
A principal denúncia feita pela moradora foi em relação a prestação de socorro às vítimas que vivem nas partes mais isoladas da Resex. “No local que não é aberto para ramal, lá tem um helicóptero disponível para levar uma criança doente. Mês passado, onde nós moramos, morreu um amigo nosso, com uma paulada na cabeça. Infelizmente, ele faleceu, porque ninguém conseguiu retirar ele do local. Trouxemos ele na rede. Morreu no meio do caminho”, declarou.
Emocianada, Rosângela contou que tem um filho de 9 anos, deficiente, que não consegue ter acesso à escola por conta do isolamento da Resex. “Eu não queria nada além do direito do meu filho saber ler e escrever. A nossa realidade as pessoas não sabem”, desabafou.
“É difícil você olhar pro seu filho e ouvir ele dizer “Mãe, eu queria ir pra escola”. Esse é um direito que as ONGs, o ICMBio e Ibama não nos dão”, completou
O relator da CPI, senador Marcio Bittar do União Brasil do Acre, fez duras críticas ao ICMBio, órgão que coordena a Resex Chico Mendes.
“Como é que se sentem os moradores da Reserva Chico Mendes? Enjaulados. O sistema ali é comunista. Eles não podem fazer nada se o ICMBio não autorizar. Tem limite para criação de gados, limite para quantidade de borracha. Não é sustentável. Eles dependem de subsídio, isso significa que estão sempre na mãos dos outros”, disse.
Marcio deve apresentar o texto final do relatório da CPI nas próximas semanas.
O presidente da Associação de Moradores e Produtores da Reserva Extrativista Chico Mendes em Epitaciolândia e Brasiléia (Amopreb), Romário Campelo, nascido e criado na Reserva Chico Mendes, desabafou sobre a situação vivida há anos dentro da Resex.
“Podemos considerar hoje que nós vivemos em uma situação de escravidão. Nós estamos subordinados a fatores que nos limitam e tiram nossos direitos”, declarou.
Além da audiência em Epitaciolândia, os membros da CPI também cumpriram diligências da Assembleia Legislativa do Acre (Aleac).
Veja a nota na íntegra do ICMBio:
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) esclarece que os fiscais não usam fuzil e o órgão não impede a instalação de escolas e postos de saúde de responsabilidade de outras esferas de governo. Estradas autorizadas não são destruídas. Em cumprimento à lei, o Instituto combate o desmatamento e a venda ilegal de terras dentro das reservas extrativistas. A sua missão é proteger a natureza e promover o desenvolvimento sustentável de populações extrativistas.
Denúncias que se baseiam em fatos reais devem ser encaminhadas à ouvidoria do ICMBio ou aos órgãos de controle.
Por Contilnet