O sonho simples de sorrir e a transformação de duas vidas: Ryan Coutinho, hoje com 10 anos, e Amanda Mattos, dentista que ficou sensibilizada com a história do garotinho da zona rural de Guajeru, no sudoeste da Bahia, que queria apenas ser igual aos coleguinhas. Após quase cinco anos do início do tratamento, Ryan já é dono de um sorriso próprio, sem o auxílio das próteses que usou durante esse período.
“Estou me sentindo muito feliz, porque eu tenho os meus dentes hoje. E hoje eu não sou mais ‘banguelo’ que nem antigamente não. Hoje eu sou outra pessoa”, conta Ryan.
“Eu brinco, eu ‘rio’, antes eu não tinha dente, eu não ria, eu só fazia fechar a boca, que eu não podia rir, né, porque só saía a gengiva. Mas agora não. Agora eu posso rir porque eu tenho meus dentes”, completa o garotinho.
Em 2016, a história dele foi compartilhada pela dentista Amanda Mattos e emocionou milhares de pessoas pelo gesto simples da dentista, mas transformador para a vida de Ryan. “Ele sofre um processo de agenesia [anomalia caracterizada pela ausência congênita de dentes]. Tem uns dentes que ele não vai ter. Não sabemos se é questão genética, ou se foi arrancado precocemente”, conta Amanda.
À época que a dentista começou a fazer o tratamento de Ryan, ele tinha 6 anos. No dia em que colocou a primeira prótese, ele emocionou a equipe ao se levantar da cadeira de assistência odontológica e começar a chorar. Ainda hoje, quando lembra desse momento, Amanda vai às lágrimas.
“Eu me emociono sempre com essa história porque foi uma atitude que não imaginava que iria fazer tão bem na vida dele como foi. Para mim foi um simples trabalho de uma prótese, mas pra ele foi uma mudança de vida”.
Amanda Mattos e Ryan Coutinho — Foto: Arquivo pessoal
“Não era só dente, era muito além daquilo. Hoje ele conversa com todo mundo, brinca, a fala melhorou, uma mudança de vida no geral. Hoje ele entra sorrindo. Antes, ele vivia com blusa com capuz, para se esconder”, lembra.
Amanda conta também que o tratamento deve seguir até a fase adulta. “Estamos preparando ele para correção ortodôntica para os dentes que ele tem. Preparação de espaços, estímulo ósseo. 18 anos é uma previsão que a gente tem para fazer o implante definitivo dele”, conta.
A dentista revela que o sucesso da história de Ryan foi um divisor de águas na vida pessoal e profissional. Para ela, o grande ensinamento é o poder da multiplicação.
“É ver o outro com solidariedade e compaixão. Eu não fiz nada mais do que aprendi na faculdade, na rede pública. E um simples ato teve uma repercussão na vida dele”.
Amanda ainda conta que estabeleceu um laço de amizade com Ryan e também não deixa de acompanhar o tratamento. “Ele tem 12 dentes, faltam 3 dos que ele terá. Para a idade, ele deveria estar em dentição mista (dentes de leite e permanente), com 24 dentes. A troca de dentes vai em média até os 13 anos. Hoje ele está sem prótese porque ele vai começar a usar aparelho”, conta Amanda.
Apesar da pandemia do novo coronavírus ter reduzido a frequência das idas de Ryan ao consultório, o tratamento não foi interrompido e ele vai até Caculé, onde a dentista mora e atende em uma clínica particular, ao menos uma vez a cada três meses, com o carro da “feira”, que segue para a cidade aos sábados.
“Ele gosta bastante de ir ao consultório. Quando a prótese desadaptou, ele ficou dois dias sem a prótese, mas quando ele veio no consultório, falou: agora estou bonito”.
Ryan e Amanda em uma das consultas em 2019 — Foto: Arquivo pessoal
Mesmo com dificuldades financeiras, a mãe de Ryan, Fátima Coutinho, conta que faz questão de levar o filho para seguir com as consultas e acompanhamento. O esforço dela e do companheiro, que trabalham na roça e sobrevivem do que plantam, é recompensado com a transformação que o filho passou.
“Ryan sorri, brinca, mudou bastante. Agora ele conversa mais, mesmo tímido. Antes, ele tinha vergonha, e agora ele se abriu mais, tem mais liberdade. Mudou muito mesmo”, diz Fátima.
Com a pandemia, Ryan se divide em ajudar a mãe na roça, que dá o sustento da família, e fazer as tarefas da escola, que ele faz a cada 15 dias religiosamente.
“Eu pego lá na escola, trago pra casa, ajudo ele a fazer, o que sei, o que a gente não sabe, a gente pesquisa no celular. E, com 15 dias, a gente leva para o professor corrigir e traz outra de novo. Ele tem feito as tarefas sempre”, conta.
“Estou feliz. Amanda está acompanhando o tratamento do meu dente, e eu estou indo bem na escola. Já estou no quarto ano”, conta orgulhoso o garoto Ryan.
Para a dentista, todos têm o poder de multiplicar e transformar o outro, depende de cada um. “Brotou uma sementinha nas pessoas, com poucas coisas a gente consegue fazer o bem ao outro”, afirma.
Ryan quando se olhou pela primeira vez no espelho com a prótese, em 2016 — Foto: Amanda Mattos/Arquivo pessoal
Ryan Coutinho, aos 8 anos — Foto: Arquivo pessoal
Via G1