O prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), enviou um projeto de lei à Câmara dos Vereadores para regular a distribuição de alimentos aos cidadãos sem-teto. O texto do Executivo municipal prevê aplicação de multas de até R$ 550,00 a entidades e indivíduos que promovam a distribuição de marmitas a pessoas em situação de rua sem autorização prévia da Prefeitura.
O PL, que propõe a criação do programa “Mesa Solidária”, foi encaminhado à Câmara Municipal na segunda-feira (29). O documento define que os interessados em disponibilizar refeições e alimentos aos sem-teto deverão realizar cadastro na Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN) para prosseguir, sem prejuízo, com as atividades.
De acordo com o texto, o cadastro somente será realizado se contiver, “no mínimo, a identificação completa do serviço voluntário, assinatura de termo próprio, alinhado com as políticas públicas e legislações vigentes na área.”
Sob a regulação da pasta, os voluntários seriam orientados a realizar a distribuição das refeições com data, local e horário de atendimento previamente definido. Caso o projeto seja aprovado na Câmara dos Vereadores, os grupos que descumprirem as regras serão advertidos, em um primeiro momento, e, se reincidirem, ocorrerá a aplicação de multa de R$ 150,00 a R$ 550,00.
Repercussão
Partidos de esquerda e líderes de movimentos sociais que atuam junto às pessoas em situação de rua rechaçaram a proposta, que repercutiu entre parlamentares e nas redes sociais. A presidente do Partido dos Trabalhadores (PT) e deputada federal pelo Paraná, Gleisi Hoffman, disse que o projeto de lei elaborado pela administração do prefeito Rafael Greca está na “linha do genocídio”.
“Diante da fome na pandemia, a mobilização pela doação de alimentos cresce a cada dia, mas isso não comove Rafael Greca, prefeito de Curitiba, que teve o desplante de enviar à Câmara projeto para punir entidades que distribuem comida à população de rua. Está na linha do genocida”, escreveu Gleisi nas redes sociais.
Guilherme Boulos (PSOL), líder do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), também usou as redes sociais para se opor ao projeto do prefeito de Curitiba, a quem chamou de canalha e desumano.
“CANALHA! Rafael Greca, prefeito de Curitiba, enviou projeto de lei para multar em até R$550 quem distribuir comida à população em situação de rua. Dá pra pensar algo mais desumano?”, escreveu o líder nacional do MTST.
Em resposta a um de seus seguidores no Twitter, o prefeito explicou que a medida não irá proibir as doações. “Não proibimos nada. Vamos organizar a distribuição de comida com segurança alimentar e Nutricional – e Vigilância Sanitária.”
Em outro momento, afirmou que o programa não impede a distribuição. “Cadastrar e convidar para um recinto asseado não é impedir aos bons e benevolentes de distribuir alimentos e exercerem seu Voluntariado Social. 40 ONGS, várias igrejas e templos Espíritas, de Umbanda e de Candomblé, Lojas Maçônicas já entenderam isto.”
Resposta do Judiciário
As Defensorias Públicas da União e do Estado do Paraná, bem como os Ministérios Públicos Federal e do Trabalho, oficiaram a Câmara Municipal de Curitiba para que o PL de autoria do prefeito Rafael Greca não tramite antes da realização de uma audiência pública.
As procuradoras e os defensores públicos que assinam o ofício colocam que “há uma clara investida contra as ações humanitárias da sociedade civil e movimentos sociais que buscam, especialmente nesse momento de crise sanitária, suprir as omissões e deficiências das políticas públicas voltadas às populações mais vulneráveis.”
O objetivo dos órgãos é, portanto, ouvir a sociedade civil, entidades públicas, cidadãos e os próprios sem-teto para que, de maneira geral, possam contribuir “com elementos e informações para uma deliberação legislativa mais afinada com o interesse público e o respeito aos direitos e garantias fundamentais.”
Resposta da Prefeitura de Curitiba
A Prefeitura de Curitiba informou, em nota, que a proposta “estabelece bases para garantir eficiência e adequação sanitária a um direito constitucional elementar, que é o acesso à alimentação saudável por parte da população socialmente mais vulnerável”.
Confira a nota na íntegra:
“Trata-se de um marco regulatório que estabelece bases para garantir eficiência e adequação sanitária a um direito constitucional elementar, que é o acesso à alimentação saudável por parte da população socialmente mais vulnerável.
Como parte de uma atribuição do município, o projeto organiza o trabalho de distribuição de alimentos, baseando-se em princípios de ação social responsável e sanitariamente correta.
Entre as razões da elaboração do projeto de lei, estão:
– Ausência atual de parâmetros organizacionais nas atividades exercidas por entidades particulares.
– Divergências frequentes de distribuição atual, ora exacerbada, ora com carência de oferta, o que gera desperdício ou escassez de alimentos.
– Os casos de oferta exacerbada resultam em acúmulo de resíduos orgânicos e rejeitos na vias públicas, contribuindo para proliferação de pragas e vetores urbanos – ou seja, riscos à saúde da população em situação de rua.
– A ausência de controle sanitário da prática pode resultar em alimentos com riscos biológicos, químicos e físicos a um grupo populacional já exposto a agravos de saúde.
A participação da sociedade civil organizada é assegurada, conforme expresso no Artigo 4º (“O programa … incentivará a atuação intersetorial, conjunta, integrada e articulada entre órgãos e entidades da administração pública municipal, pessoas físicas e jurídicas ou privadas, organizações da sociedade civil, entidades religiosas, educacionais e sociais do Programa Mesa Solidária.”) e no Artigo 8º, que estabelece o cadastramento para tais atividades.
Essa garantia legal corrobora a abertura ao diálogo e a promoção de esforços conjuntos realizados pelo município nesta área, principalmente após a chegada da pandemia à capital (em março de 2020).
A Prefeitura de Curitiba vem atuando fortemente no apoio à população mais necessitada. No programa Mesa Solidária, por exemplo, já foram distribuídas mais 284 mil refeições à população carente (desde 2019). E nos Restaurantes Populares, com refeições subsidiadas a R$ 3,00, já foram distribuídas mais de 4,6 milhões de refeições (desde 2017).”
Via-CNN