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EUA: Polícia prende inocente a partir de sistema de reconhecimento facial

Embora a tecnologia de reconhecimento facial tenha se tornado mais precisa, pesquisa mostrou que ela é suscetível a erros com pessoas de pele mais escura

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Em fevereiro de 2019, Nijeer Parks entrou no Departamento de Polícia de Woodbridge, em Nova Jersey, para limpar seu nome. 

Parks, um homem negro de 31 anos que mora em Paterson, New Jersey, recebeu um telefonema de sua avó dizendo que a polícia de Woodbridge, cidade a 50 quilômetros de distância de sua residência, tinha vindo procurá-lo no apartamento que dividiam. 

“Isso é algum mal-entendido”, ele pensou. 

Parks teve problemas com a lei no passado, mas desde que saiu da prisão por delitos de drogas, tem um trabalho fixo como carpinteiro. Quando chegou à delegacia, para prestar depoimento, levou um envelope com o cartão do Seguro Social e sua identificação, acreditando estar pronto para limpar seu nome, mas não foi tão fácil assim.

“Quatro ou cinco minutos depois, enquanto eu e o secretário conversávamos, dois outros policiais se aproximaram e me disseram para colocar as mãos nas costas. Você está preso”, relembrou Parks em uma entrevista à CNN Business. As acusações eram graves: porte ilegal de armas, uso de identidade falsa, agressão com agravantes, porte de maconha, furto em loja, saída da cena do crime e resistência à prisão. A longa lista ainda incluía tentativa de atropelamento de policial. 

Preso pela polícia de Woodbridge, Parks disse que passou 11 dias na prisão sem saber o porquê havia sido preso.

De acordo com um boletim de ocorrência obtido pela CNN, as provas apresentadas pelos policiais que conduziram a prisão de Parks eram “compatíveis” com uma foto de Parks no sistema de reconhecimento facial. 

A compatibilidade foi suficiente para que promotores e um juiz assinassem sua prisão. 

Embora a tecnologia de reconhecimento facial tenha se tornado cada vez mais precisa, a pesquisa mostrou que ela é suscetível a erros com pessoas de pele mais escura. E como não há diretrizes federais para limitar ou padronizar o uso de reconhecimento facial por agentes estaduais e municipais, fica a cargo de autoridades locais decidiram o que têm de ser feito.

Nijeer Parks
Nijeer Parks foi preso por crimes que não cometeu graças a uma análise de reconhecimento facial equivocada

Virgínia recentemente se tornou o quinto estado a restringir o uso de reconhecimento facial pela polícia, se juntando a Portland, San Francisco, Oakland e Boston. 

Existem apenas alguns casos conhecidos em que o uso da tecnologia de reconhecimento facial foi usado como única prova em uma prisão. Muitos departamentos de polícia afirmam que usam o reconhecimento facial apenas para pistas de investigação. No entanto, de acordo com alguns defensores da privacidade, as restrições ao reconhecimento facial apresentadas como evidência são frouxas e ainda há pouca transparência sobre como a compatibilidade é usada em processos criminais. 

“Quando falamos sobre o número de exames de reconhecimento facial que são feitos nos Estados Unidos todos os dias, nem sabemos o número completo”, disse Albert Fox Cahn, diretor executivo do Surveillance Technology Oversight Project, organização sem fins lucrativos que se opõe ao uso de reconhecimento facial.

“Pode haver pessoas que estão sendo enviadas à prisão por engano e que não sabem que foi o reconhecimento facial a prova para sua prisão.” 

Suspeito fugiu 

Os crimes que Parks supostamente cometeu ocorreram em Hampton Inn e em Woodbridge, cidades de New Jersey, em 26 de janeiro de 2019. 

Foi relatado à polícia local um suposto incidente de roubo. No local havia sido encontrado uma carteira de motorista do Tennessee, que rapidamente os policiais viram que se tratava de um documento falso. Após ser confrontado pela polícia, o suspeito saiu correndo do hotel, entrou em um carro e acelerou, segundo boletim policial. Enquanto fugia, ele colidiu com um pilar de concreto e um carro da polícia, quase atingindo um policial.

Duas testemunhas disseram à polícia que a foto na carteira de motorista falsa do Tennessee correspondia ao da pessoa que haviam visto na cena do crime. A polícia então prontamente enviou a foto para um escaneamento de reconhecimento facial.

Hotel Hampton Inn
Foi no hotel Hampton Inn que a polícia afirmou que o suspeito havia agredido e quase atropelado oficiais

O programa comparou a foto de identificação do Tennessee com um banco de dados de rostos. Até hoje, Parks e seu advogado não sabem qual foto dele foi escaneada no sistema ou de onde veio a imagem. 

Sem outras evidências, de acordo com o policial, oficiais do Departamento de Polícia de Woodbridge, o procurador-adjunto do distrito de Middlesex, Peter Nastasi, e o juiz do Tribunal Municipal de Woodbridge, David Stahl, assinaram um mandado de prisão para Parks.

“Não se parece nada com ele” 

Dois anos depois que seu filho foi preso, Patricia Parks estava na cozinha de seu apartamento olhando a imagem ampliada da identidade falsa do suspeito. “Não se parece nada com ele. Nada”, disse. 

“Tem um ditado que diz ‘todos os negros são iguais’. Essa é a primeira coisa que me veio à mente quando vi esta foto, porque ele não se parece em nada com o meu filho. ” Nijeer observou que o suspeito parece estar usando brincos. “Tudo que precisava fazer era olhar para as minhas orelhas e perceber que não tenho furos ou piercings “, disse Nijeer.

Quando os crimes foram cometidos, Parks estava em um banco Western Union a cerca de 50 quilômetros do Hampton Inn enviando dinheiro para sua noiva. Por acaso, ele tirou uma foto do número de rastreamento do recibo e enviou por mensagem, que acabou se tornando prova de seu álibi. Mesmo assim, levou quase um ano para que as acusações contra ele fossem retiradas. 

A pessoa que realmente cometeu os crimes ainda está foragida. 

Parks disse à CNN que depois que as acusações foram retiradas, ele nunca recebeu um pedido de desculpas. “Nunca ouvi nada de mais ninguém. Nenhum ‘sentimos muito, poderíamos ter feito de forma diferente ‘, nada”, disse Parks. 

O uso desta tecnologia pela polícia é questionado Nijeer Parks, que não é a única pessoa presa por uma correspondência de reconhecimento facial incorreta. Também há Robert Williams e Michael Oliver, dois homens negros que foram presos em Detroit graças às falhas tecnológicas. Seus casos também foram encerrados posteriormente. 

Williams, ao lado da ONG American Civil Liberties Union, abriu recentemente um processo federal contra a cidade de Detroit. 

Especialistas dizem que exemplos de reconhecimento facial apresentados como evidência para fazer prisões são raros. Mas isso se dá porque policiais não mencionem que a tecnologia de reconhecimento facial foi utilizada, de acordo com um relatório da Associação Nacional dos Advogados de Defesa Criminal.

O Departamento de Polícia de Woodbridge e o Gabinete do Promotor Distrital de Middlesex não responderam às perguntas sobre o uso de correspondências de reconhecimento facial como causa provável nas prisões. 

Alguns departamentos de polícia, agências governamentais e prestadores de serviços de reconhecimento facial alertam que supostas combinações devem ser usadas apenas como ferramentas de investigação, não como prova. 

O reconhecimento facial “continua sendo apenas uma pista dentro da investigação”, disse a vice-diretora do FBI Kimberly Del Greco ao Congresso em 2017. “Os candidatos devem ser avaliados por examinadores faciais especializados e / ou por pesquisadores relevantes”. 

O manual da polícia de Detroit estipula que uma correspondência de reconhecimento facial deve ser usada apenas “como uma pista na investigação” e “não deve ser considerada como uma identificação positiva de um sujeito”. 

No entanto, segundo Clare Garvie, sócia-senior do Centro de Privacidade e Tecnologia em Georgetown Law, mesmo em jurisdições que afirmam usar correspondências de reconhecimento facial apenas para iniciar investigações, a distinção entre “ferramenta investigativa” e “evidência” pode ser confundida.

A polícia “não foi informada sobre quais seriam as etapas investigativas adicionais suficientes”, disse Garvie. Embora não tenhamos certeza de quais são as políticas do Departamento de Polícia de Woodbridge sobre o reconhecimento facial, o Departamento de Polícia da Cidade de Nova York tem uma política explícita afirmando que deve haver “outras evidências corroborantes” junto com correspondências de reconhecimento facial para que uma prisão possa ser permitida. 

Na prática, essa etapa investigativa adicional pode ser tão simples como fazer uma testemunha dizer que uma foto obtida por reconhecimento facial se parece com o suspeito. Por exemplo, de acordo com os documentos do tribunal, um policial de Nova York enviou uma mensagem de texto a uma testemunha com a foto de um único rosto obtida em uma pesquisa de reconhecimento facial, junto com a mensagem de texto “É este o tipo …? Quando a testemunha disse sim, a polícia o prendeu.

“Você pode me prender por qualquer coisa” Parks agora está processando os envolvidos em sua prisão por violar seus direitos civis e “infligir intencionalmente seu sofrimento emocional”. 

Nenhum dos réus citados no processo de Parks respondeu a um pedido de comentário. 

Em março, os réus entraram com pedido de arquivamento do processo, que ainda está em andamento. A juíza Stahl, que não está listada como réu, também não respondeu a um pedido de comentário. Parks disse que ainda está preocupado com o que aconteceu com ele. “Você tirou a oportunidade de me sentir seguro. Eu vejo a polícia, fico automaticamente agitado “, disse Parks à CNN. “Eles me provaram que podem me prender por qualquer coisa e não há nada que eu possa fazer a respeito.”

Via-CNN

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