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A Balsa do desconsolo: A tradição acreana que leva os derrotados da política à Manacapuru

Para contar o início desta história, a reportagem conversou com o historiador Marcos Vinícius Neves, que falou um pouco sobre o assunto.

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Quem nunca desceu a balsa rumo a Manacapuru e ouviu o choro do surubim que atire a primeira pedra. No dia seguinte às eleições, já é costumeiro que o acreano compre os jornais – agora, com o mundo digital, acesse os sites – para ver caricaturas dos derrotados no pleito.

Para contar o início desta história, a reportagem conversou com o historiador Marcos Vinícius Neves, que falou um pouco sobre o assunto.

Neves explica que a balsa se transformou em uma manifestação cultural da política acreana ao longo dos anos. A forma como se vê os desenhos hoje data da década de 1970, ainda de acordo com o historiador.

“O Aloísio Maia, que era um jornalista muito expressivo, tinha colunas nos jornais daqui do Acre, e então, formulou essa imagem de que todo político derrotado na eleição aqui no Estado estaria condenado a pegar uma balsa pra ir para Manacapuru, que é o caminho normal caso voce desça o Rio Acre, o Rio Purus. À deriva, você vai de forma mais lenta, mais penosa, mais devagar. Vai sofrendo e pagando seus pecados. E lá, no lago do Manacapuru, você ouve o peixe surubim porque não tem mais nada para fazer”, explica Neves.

Edição da balsa do jornal A GAZETA de 1998. Foto: Anne Nascimento

Essa metáfora se tornou significativa, passou a se disseminar, fez muito sucesso e se tornou um folclore político. “E, na verdade, a raiz do sucesso dessa abordagem do Aloísio Maia é profunda no Acre, tendo uma origem muito mais antiga”, reitera, acrescentando que o jornalista “bebe de fontes” que são arquetípicas da Amazônia.

“Na Amazônia como um todo, você tem essa figura, essa ação “bubuia”, que é ficar à deriva, aquilo que desce o rio ao sabor da correnteza, que já está gasto, está usado, o que não presta mais. A pessoa joga dentro do rio e o rio se encarrega de levar. É o lixo, é o que não presta”, reforça o historiador.

Marcos Vinícius ainda cita um texto de Euclides da Cunha: ao contrário de outros lugares, que fazem um trabalho folclórico envolvendo a personagem bíblica Judas. “Mas aqui no Acre, nos seringais, seria diferente. Os seringueiros vestiam o Judas como seringueiro, colocavam numa balsa e empurravam para descer o rio e, enquanto a balsa com o Judas estava descendo, eles ficavam no barranco, jogando pedra, atirando e xingando o Judas que na ‘bubuia’. Isto simboliza em, alguma medida, quem não presta, o que não presta, o destino é ser colocado para descer o rio”.

Edição da Balsa de 2018. Foto: Anne Nascimento

Isto, de certa maneira, figura no inconsciente coletivo, ainda de acordo com Marcos Vinícius. “Não à toa, na época das revoltas autonomistas, em Cruzeiro do Sul em 1910; Sena Madureira, em 1912, o castigo para o governante autoritário que foi deposto por essas revoltas autonomistas era ser colocado numa balsa para descer o rio de bubuia. O castigo dele era ser expulso do Acre, embarcado numa balsa, descendo à deriva para demorar bastante e, portanto, ir pagando os pecados”, diz Vinícius. “Aloísio  Maia usa esse imaginário acreano para os governantes derrotados, até porque não tinha outra maneira de ir embora. No Acre, só se chegava e saía de barco. Ele [Aloísio Maia] sintetiza isso tudo, e eu acredito que, por conta da profundidade disso, isto se cristalizou na sociedade acreana”.

Por A Gazeta do Acre

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