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‘O Brasil pode ser parte da solução da crise energética’, diz embaixadora da Suécia

Karin Wallensteen afirma que o governo de seu país confia no sistema eleitoral brasileiro e defende um diálogo maior com o Brasil e outras nações neutras na guerra na Ucrânia.

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Há dois meses em Brasília, a embaixadora da Suécia, Karin Wallensteen, afirma que o Brasil poderá ajudar seu país e a Europa na crise energética e a acabar com a dependência de combustíveis fósseis a partir de 2045. Ela reconhece que, na agenda multilateral, a posição de neutralidade do governo brasileiro em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia é diferente das autoridades suecas, mas defende mais diálogo para que fique claro que os russos estão errados.

Como têm feito outros países europeus e os Estados Unidos, a diplomata enfatizou a confiança de Estocolmo no sistema eleitoral brasileiro e disse que a palavra dos observadores internacionais sobre as eleições será fundamental para o reconhecimento do novo governo. Seja quem vencer o pleito no dia 30, as relações entre Brasília e Estocolmo permanecerão com o espírito de parceria e cooperação.

A senhora chegou ao Brasil em um momento complicado, com um país polarizado, que escolherá seu presidente no fim deste mês. Como vê esse cenário?

É a democracia em ação e isso é excelente. É um momento bastante decisivo, obviamente, e não apenas para o Brasil, mas também, em termos geopolíticos, a tudo o que está acontecendo no mundo. Seria fácil dizer que estamos muito longe da América Latina. Mas hoje o mundo é tão pequeno, estamos tão intimamente integrados! É um tempo interessante para o Brasil e para o mundo, e às vezes assustador também, porque nós realmente não sabemos para onde as coisas estão indo no cenário global.

O resultado da eleição em primeiro turno não foi contestado pelo presidente Jair Bolsonaro que, no entanto, voltou suas críticas aos institutos de pesquisa. O segundo turno pode ser mais tranquilo?

Fica evidente que, em muitas eleições, e não apenas na eleição brasileira, as pesquisas de opinião estão cada vez mais com um viés de que há uma desvantagem para a direita no espectro político. Já vimos isso em outros países, como no Brexit (referendo que decidiu pela saída do Reino Unido da União Europeia) há alguns anos e na Europa. As pesquisas de opinião têm seu papel legítimo em uma sociedade democrática e fazem parte da liberdade de imprensa. Mas acho que as próprias instituições precisam de uma discussão sobre sua metodologia porque, aparentemente, as pesquisas de opinião não conseguiram definir as coisas corretamente.

No dia 30 de outubro haverá o segundo turno da eleição para presidente. Quando sair o resultado, o governo sueco pretende reconhecer o vencedor imediatamente?

É muito cedo para dizer. Vimos as eleições no domingo, dia 2, e ouvimos dos observadores que tudo ocorreu de forma muito profissional. Este é um país de 220 milhões de pessoas e os resultados saíram em cerca de quatro ou cinco horas. Meu país tem 10 milhões de pessoas e os resultados saíram em quatro a cinco dias. O sistema eleitoral brasileiro está funcionando muito bem e é muito eficiente. Vamos querer ouvir a opinião dos observadores eleitorais, mas temos toda a confiança e não acreditamos que precisamos nos preocupar.

Havia uma ideia, que surgiu nas embaixadas, para que todos os países reconhecessem imediatamente o resultado da eleição. A senhora tem conhecimento disso?

Sim, estou bem ciente dessa discussão. É algo que, internacionalmente, a sociedade civil pediu. Mas acho que é ainda muito cedo para falar sobre isso.

Como ficarão as relações entre Brasil e Suécia se Lula vencer? E se Bolsonaro vencer?

O Brasil está em período eleitoral e nós, na Suécia, tivemos eleições há cerca de quatro semanas. E, independentemente do resultado, o governo sueco vai querer cooperar com a administração federal em Brasília. Os laços entre Suécia e Brasil são tão fortes, que vão além de qualquer outra coisa. O Brasil é um país enorme e tem um papel muito importante no cenário internacional. Temos muitas áreas de cooperação. Uma delas é o projeto Gripen (fabricante sueco que venceu uma disputa com franceses e americanos e fornecerá ao governo brasileiro, até 2026, 36 caças). Acreditamos que foi uma boa escolha para a Suécia e estamos felizes. Haverá muita transferência de tecnologia e conhecimento para o Brasil, a ponto de as aeronaves serem parcialmente construídos e montados aqui. Outro pilar de nossa parceria estratégica é a cooperação em inovação. Teremos uma semana sobre inovação Brasil-Suécia em novembro.

No âmbito multilateral, Brasil e Suécia não têm assumido as mesmas posições sobre a guerra da Ucrânia. Qual a sua opinião?

Historicamente, temos uma visão muito parecida com o Brasil quando se trata da agenda internacional. No entanto, vimos na Ucrânia que a posição brasileira difere da União Europeia e de alguns outros países ocidentais. Falando pela Suécia, condenamos totalmente a agressão russa na Ucrânia. Não há nada que justifique isso. É daqueles conflitos que são preto ou branco, um ou zero, ou seja, ou é certo, ou é errado. E é errado. Portanto, temos uma posição muito forte, pois a Rússia está claramente infringindo o direito internacional. Ao mesmo tempo, a Rússia está na nossa vizinhança, partilhamos as mesmas águas e poderíamos ser os melhores vizinhos. Condenamos com as palavras mais fortes a agressão russa contra a Ucrânia, enquanto o Brasil optou por uma posição mais neutra.

O presidente Jair Bolsonaro está usando a aproximação dele com a Rússia como um ponto positivo na campanha, pois ele argumenta que conseguiu trazer fertilizantes e diesel russos para o Brasil. Isso não gera um constrangimento?

A posição sueca é que, quando vemos as coisas de forma diferente, seja com o Brasil ou qualquer outro país, vemos isso como uma oportunidade de diálogo. Aparentemente, precisamos explicar melhor nossa posição, para que seja vista de forma diferente a agressão russa.

A guerra mostra a grande dependência de energia da Rússia, que ficou bem mais cara. O Brasil poderia ajudar de alguma forma?

Definitivamente, o Brasil pode ser parte da solução. Precisamos ter uma energia mais sustentável e isso vale para todos os países do mundo. Suécia e Brasil são bem parecidos. Temos uma oferta de energia que é muito diversificada. Temos muita energia hidrelétrica e estamos usando cada vez mais energia eólica e solar. Portanto, provavelmente poderíamos aprender uns com os outros a esse respeito.

Mas como o Brasil poderia ser parte da solução?

Produzindo mais energia e focando na inovação. Há muitas empresas suecas no Brasil, que realmente pretendem estar na vanguarda da transição verde para melhorar a tecnologia e, assim, nos tornarmos menos dependentes de combustíveis fósseis. Vejo que há um papel importante para empresas brasileiras de pesquisa e desenvolvimento. O Brasil também pode ser muito ativo nisso e essa é uma das áreas em que podemos aprender uns com os outros. Entre as prioridades que temos na cooperação Suécia e Brasil, a bioeconomia, com as cidades inteligentes, é uma delas. Como organizarmos nossas cidades de forma que o transporte, a coleta de lixo e a gestão de resíduos sejam feitos de forma mais sustentável? O uso de biocombustíveis poderia ser mais frequente em transportes, como ocorre em São Paulo. Se tivermos soluções mais sustentáveis, seremos menos dependentes de combustíveis fósseis.

O Brasil pode ajudar a Suécia a acabar com a dependência de combustíveis fósseis?

Brasil e Suécia têm 200 anos de relacionamento e isso inclui negócios e comércio. Acabei de passar três dias em São Paulo e me encontrei com cerca de 20 empresas suecas. A primeira coisa sobre a qual conversamos foi sustentabilidade, porque é muito importante e não é apenas porque é uma palavra bonita. As empresas veem isso honestamente, se quiserem ter lucro não nos próximos três ou seis meses, mas em dez anos. A Suécia quer ficar livre de combustíveis fósseis até 2045. A transição verde está ocorrendo na Suécia agora, a mineração está se tornando sustentável e queremos cooperar com o Brasil.

Existe um debate muito grande nos Estados Unidos e na Europa sobre mudar as cadeias globais de produção para depender menos da China. O Brasil poderia ser um fornecedor fiel de bens e insumos industriais para a Suécia?

Sim, absolutamente. Se você olhar para as duas maiores empresas suecas orientadas para o consumidor, elas não estão no Brasil, como a Ikea, que fornece móveis para casa, e a H&M, onde compro todas as minhas roupas. Então, é claro que eles estarão procurando novos mercados para produzir. E todos nós negociamos muito com a China, mas está se tornando cada vez mais difícil. O acordo Mercosul e União Europeia ajudaria também e o Brasil poderia tirar proveito disso.

Essas empresas poderiam vir para o Brasil?

É uma pergunta que deveria ser feita às empresas mas, como embaixadora da Suécia, eu gostaria de vê-las aqui, e não apenas porque eu gosto dos produtos delas. Mas existem obstáculos que o acordo Mercosul – União Europeia superaria. Muitas empresas têm a ganhar com isso. A história do meu país mostra que não seríamos esse país rico e próspero se não fosse o livre comércio. Não teríamos nossa economia, se não pudéssemos negociar no mercado aberto, porque a Suécia é muito pequena.

Alguns países europeus colocam restrições a esse acordo. Qual a posição da Suécia?

Somos muito a favor do acordo. É bom para as duas regiões, e, mais do que isso, é bom para os consumidores, que estarão recebendo mercadorias a um preço melhor. Há uma preocupação com a indústria, mas só é possível prosperar e se desenvolver através da competição. Mas há, também, uma preocupação muito grande em muitos países europeus, inclusive no meu, com o desmatamento e a questão das florestas no Brasil deve ser abordada.

O governo brasileiro tem cortado projetos militares. Existe preocupação de que haja cortes na compra dos caças, por exemplo?

Não. A parceria é muito forte e os termos desse acordo são muito firmes. É compreensível que, especialmente com essa situação geopolítica, cada país olhe sua defesa para ver o que é mais importante. Na Suécia, estamos aumentando nossos gastos com a defesa.

Com informações O Globo

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