Uma agência de marketing ofereceu pagamento para que influenciadores de redes sociais de todo o mundo espalhassem desinformação sobre vacinas contra a Covid-19.
Dentre eles, um YouTuber brasileiro.
Everson Zoio, conhecido por vídeos em que cumpre desafios inusitados, como o de colocar a mão em um formigueiro, publicou um vídeo em seu Instagram levantando dúvidas sobre a segurança da vacina da Pfizer. O vídeo foi deletado quando a história veio à tona. Ele não respondeu aos pedidos de comentário da BBC
Por outro lado, alguns dos influenciadores que receberam o convite da agência de marketing denunciaram a tentativa de recrutá-los.
“Tudo começou com um e-mail”, diz Mirko Drotschmann, um YouTuber e jornalista alemão.
Drotschmann normalmente ignora ofertas de marcas que lhe pedem para anunciar produtos para seus mais de 1,5 milhão de seguidores. Mas a oferta de patrocínio que ele recebeu em maio deste ano foi diferente de qualquer outra.
A agência, chamada Fazze, pediu que ele promovesse o que ela dizia ser informações vazadas que sugeriam que a taxa de mortalidade entre as pessoas que recebiam a vacina Pfizer era quase três vezes maior que a da AstraZeneca.
As informações fornecidas não eram verdadeiras.
Rapidamente ficou claro para Drotschmann que ele estava sendo convidado a espalhar desinformação para minar a confiança do público em relação a vacinas no meio de uma pandemia.
“Fiquei chocado”, diz. “E então fiquei curioso: ‘O que está por trás de tudo isso?”
Na França, o YouTuber de ciência Léo Grasset recebeu oferta semelhante. A agência ofereceu 2 mil euros (cerca de R$ 12.200) por sua participação, dizendo que estava agindo por um cliente que desejava permanecer anônimo.
“É um grande indício de algo estava errado”, diz Grasset.
Grasset e Drotschmann ficaram revoltados com as falsas alegações que foram repassadas.
Eles fingiram estar interessados para tentar descobrir mais e receberam instruções detalhadas sobre o que deveriam dizer em seus vídeos.
Em um inglês que não parecia natural, o briefing os instruía a agir “como se você tivesse paixão e interesse neste tópico”.
Dizia para que eles não mencionassem que o vídeo tinha um patrocinador, e fingir que estavam dando conselhos espontaneamente por preocupação com os espectadores.
As plataformas de redes sociais têm regras que proíbem a não divulgação de que o conteúdo é patrocinado. Na França e na Alemanha, isso também é ilegal.
As instruções da Fazze pediam que os influenciadores compartilhassem uma notícia do jornal francês Le Monde sobre um vazamento de dados da Agência Europeia de Medicamentos.
Dados fora de contexto
A história era genuína, mas não falava em mortes por vacinas. Naquele contexto, no entanto, daria a falsa impressão de que as estatísticas da taxa de mortalidade vieram do vazamento.
Léo Grasset ficou horrorizado com a tentativa de recrutá-lo — Foto: Léo Grasset via BBC
Os dados que os influenciadores foram solicitados a compartilhar foram, na verdade, uma mistura feita a partir de diferentes fontes e retirada do contexto.
As “informações” usavam o número de pessoas que morreram em vários países algum tempo depois de terem recebido diferentes vacinas contra a Covid-19. Mas só porque alguém morre depois de receber a vacina não significa que ela morreu porque recebeu a vacina. Ela pode ter morrido em um acidente de carro, por exemplo.
Nos países de origem das estatísticas, um número maior de pessoas havia recebido a vacina da Pfizer naquela época, portanto, era de se esperar um número maior de pessoas morrendo após a vacina da Pfizer.
“Se você não tem nenhum treinamento científico, você pode simplesmente dizer: ‘Ah, existem esses números, e eles são realmente diferentes. Portanto, deve haver uma ligação.’ Você pode fazer qualquer correlação espúria como quiser”, diz Grasset.
Os influenciadores também receberam uma lista de links para compartilhar: artigos duvidosos em que todos usavam o mesmo conjunto de números que supostamente mostravam que a vacina Pfizer era perigosa.
Quando Grasset e Drotschmann expuseram a campanha da Fazze no Twitter, todos os artigos, exceto a reportagem do Le Monde, desapareceram da internet.
Desde que Grasset e Drotschmann expuseram o convite, pelo menos quatro outros influenciadores da França e da Alemanha revelaram publicamente que também rejeitaram as tentativas da Fazze de recrutá-los.
‘Ilógico’
Mas o jornalista alemão Daniel Laufer identificou dois influenciadores que podem ter aceitado a oferta.
O primeiro, um YouTuber indiano chamado Ashkar Techy, que costuma fazer vídeos engraçados sobre carros e namoro. E o segundo, o brasileiro Everson Zoio. Ele tem mais de 3 milhões de seguidores no Instagram, onde o vídeo sobre a Pfizer foi publicado, e 12,8 milhões no YouTube.
Os dois publicaram vídeos atípicos nos quais transmitiam a mesma mensagem da campanha da Fazze, compartilhando também links de notícias falsas que estavam nas instruções enviadas pela agência. Ambos também haviam participado de promoções anteriores do Fazze.
A BBC teve acesso ao vídeo publicado por Zoio em seu Instagram. Ele entra em um carro, olha para câmera e fala como se estivesse recitando um texto memorizado: “Galera, estou fazendo esse vídeo aqui para passar algumas informações que eu tenho sobre a vacinação, tá ligado?”, ele começa.
“Há algumas coisas que me deixam muito pensativo. Estive vendo alguns artigos e deparei com algo muito preocupante mesmo”, diz. Em seguida, afirma ter encontrado dados sobre a taxa de mortalidade dos vacinados pela Pfizer, que seria “três vezes maior que a da AstraZeneca”.
Ele diz não entender “por que essa vacina ainda está sendo comprada em vários países”. “Chega a ser algo ilógico e muito preocupante mesmo, vocês não concordam? A gente tem que se manter bem informados porque no final de tudo somos nós que vamos ser beneficiados ou até mesmo prejudicados por tudo isso.”
No final do vídeo de pouco mais de um minuto, ele pede que os seguidores acessem um link na biografia do seu perfil.
Depois que Daniel Laufer os contatou, Everson Zoio e Ashkar Techy removeram seus vídeos, mas não responderam suas perguntas. A BBC tentou entrar em contato com os dois influenciadores, mas eles não responderam.
Conexões russas?
A BBC também tentou mandar um e-mail para as pessoas que abordaram Drotschmann e Grasset. Os e-mails voltaram – não da Fazze, mas do domínio de uma empresa chamada AdNow.
A Fazze faz parte da AdNow, uma empresa de marketing digital registrada na Rússia e no Reino Unido.
A BBC fez várias tentativas de entrar em contato com a AdNow por telefone, e-mail e até mesmo uma carta enviada para sua sede em Moscou, mas eles não responderam.
Por fim, a BBC conseguiu entrar em contato com Ewan Tolladay, um dos dois diretores do braço britânico da AdNow.
Tolladay disse que tinha muito pouco a ver com a Fazze – que ele disse ser uma joint venture entre seu diretor – um russo chamado Stanislav Fesenko – e outra pessoa cuja identidade ele não conhecia.
Ele disse que não tinha participado da campanha de desinformação. E afirmou que nem sabia que a Fazze havia assumido o contrato antes de a história estourar. Ele não pode esclarecer quem era o cliente misterioso.
Ele disse que, à luz do escândalo, “estamos fazendo a coisa responsável e fechando a AdNow aqui no Reino Unido”. Ele disse que a Fazze também estava sendo fechada.
A BBC tentou convencer Fesenko a falar, mas não obteve sucesso.
As autoridades francesas e alemãs iniciaram investigações sobre as abordagens de Fazze aos influenciadores.
Mas a identidade do cliente misterioso da agência permanece obscura.
Há especulações sobre conexões russas com este escândalo e os interesses do Estado russo em promover sua própria vacina – a Sputnik V.
Omid Nouripour, porta-voz de política externa do Partido Verde alemão, sugeriu procurar em Moscou a motivação por trás da campanha da Fazze.
“Falar mal de vacinas no Ocidente mina a confiança em nossas democracias e supostamente aumenta a confiança nas vacinas da Rússia. Há apenas um lado que se beneficia com isso, e esse é o Kremlin”, ele afirmou.
Mas em um comunicado, a embaixada russa em Londres afirmou: “Tratamos a Covid-19 como uma ameaça global e, portanto, não estamos interessados em minar os esforços globais na luta contra ela, sendo vacinar as pessoas com a vacina da Pfizer uma das formas de lidar com o vírus.”
Embora a campanha de Fazze tenha sido um fracasso, Léo Grasset acredita que não será a última tentativa de usar o poder dos influenciadores sociais para espalhar a desinformação.
“Se você quer manipular a opinião pública, principalmente dos jovens, não vá à TV”, diz Grasset.
“Basta gastar o mesmo dinheiro com influenciadores no TikTok e no YouTube. Todo o ecossistema está perfeitamente construído para a máxima eficiência da desinformação.”
Via-G1