Em outubro de 1995, defendi minha Dissertação de Mestrado no Curso de Economia do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional – CEDEPLAR, da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. O título da dissertação foi: RESERVA EXTRATIVISTA: Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de vida, sob a orientação do ilustre professor João Antonio de Paula, um profundo conhecedor e pesquisador das causas amazônicas, que atua na Região desde a década de setenta do século passado, tendo visitado o Acre em vários momentos, desde então.
A criação das RESEX – Reservas Extrativistas, sempre gerou um acalorado debate envolvendo diversos segmentos, tanto da comunidade científica quanto da sociedade local. A crítica mais frequente que se fazia e se faz às Resex é a de que o extrativismo está superado e que não existe viabilidade econômica para a atividade extrativa. Meu propósito na dissertação, nos seus cinco capítulos, foi abordar o tema sob vários ângulos, buscando entender o centro da realidade em questão.
Num primeiro momento, discutimos os principais movimentos ocorridos nas economias amazônica e acreana, desde a sua ocupação, situando o papel do extrativismo, até à criação das Reservas Extrativistas, com destaque da luta pela terra, pela reforma agrária empreendida pelos seringueiros e as políticas ambientais no Brasil até chegar à definição de Reserva Extrativista.
A definição dada por Mary Allegretti nos parece a mais completa: ” Reserva Extrativista é uma área ocupada por populações que utilizam, tradicionalmente, recursos de base extrativa para exploração de subsistência e comercial, transformada em área do poder público e administrada, através de concessão de direito real de uso, por comunidades locais. Pode ser definida simultaneamente como área de conservação e de produção, uma vez que a exploração de recursos naturais depende de plano adequado de manejo.”
Em seguida, abordamos a emergência da questão ambiental que eclodiu na década de setenta do séc. XX a nível mundial, no contexto de uma crise que assolou a economia mundial, depois de 25 anos de crescimento acelerado do capitalismo, fazendo a conexão de todos os temas com as Reservas Extrativistas. Necessário se fez, também, enquadrarmos teoricamente a atividade produtiva do seringueiro nas reservas como uma atividade camponesa, que funciona numa lógica diferente da economia capitalista, cuja principal característica é o assalariamento. O último capítulo da dissertação tratou das viabilidades e perspectivas das Reservas Extrativistas, no caso, a Reserva Extrativista Chico Mendes.
Concluímos o trabalho afirmando que a criação das Reservas Extrativas representa, antes de tudo, a conquista da vitória na luta pela terra. Que a grande corrida pelas terras do Acre na década de setenta, ensejou uma resistência consistente dos seringueiros, a qual teve em Chico Mendes seu maior líder. Portanto, é fruto do movimento do sindicalismo rural, criado no bojo da luta pela reforma agrária. Lembramos também que o movimento dos seringueiros coincide com a crise ambiental dos anos setenta. Que a preocupação com as condições da biosfera, ameaçada por uma utilização maciça dos recursos naturais, levava a uma revisão dos modelos de desenvolvimento vigentes.
Como diz Mary Allegretti, as Reservas Extrativistas podem ser consideradas como reservas de desenvolvimento sustentado, nas quais atividades econômicas baseadas na extração de produtos da floresta, na agricultura, na criação de animais domésticos, assim como na industrialização destes produtos, podem ser desenvolvidas desde que atendam a critérios de sustentabilidade e de retorno social. Do ponto de vista econômico, portanto, busca-se a transformação de uma economia dependente do extrativismo para outra baseada em sistemas agroflorestais. Nesse sentido, a presença do Estado fomentando com os mais diversos instrumentos de desenvolvimento seria fundamental no apoio de todas as propostas de desenvolvimento para a Resex.
Conforme relatório do Conselho Nacional de Seringueiros de 1992, a Resex Chico Mendes possuía 1.428 famílias, alocadas em 970.570 hectares e contava com 1.142 colocações, representando quase 6% do território acreano, englobando vários municípios: Xapuri, Epitaciolândia, Brasiléia e Assis Brasil.
Exatamente no dia 07 de novembro de 2022, 32 anos depois de criada, o Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), publica uma reportagem cujo título foi: “Símbolo da luta pela Floresta, Resex Chico Mendes é a área protegida mais pressionada pelo desmatamento na Amazônia”. Acesso: https://imazon.org.br/imprensa/simbolo-da-luta-pela-floresta-resex-chico-mendes-e-a-area-protegida-mais-pressionada-pelo-desmatamento-na-amazonia/
Diz a reportagem que o ícone do ativismo pelo uso sustentável da floresta, a Reserva Extrativista (Resex) Chico Mendes foi a área protegida mais pressionada pelo desmatamento na Amazônia no terceiro trimestre, entre julho e setembro de 2022. A unidade de conservação federal localizada no Acre liderou um ranking dos 10 territórios protegidos sob maior pressão na Amazônia.
Os dados são do levantamento trimestral “Ameaça e Pressão de Desmatamento em Áreas Protegidas”, publicado pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Com uma metodologia que analisa o número de ocorrências de derrubada da floresta, e não a área total desmatada, esse estudo mostra quais territórios protegidos podem vir a ser os mais desmatados. E, consequentemente, os que precisam de ações urgentes para evitar o avanço da destruição.
A pesquisa também diferencia as áreas protegidas que tiveram mais ocorrências de desmatamento dentro dos seus territórios, o que é classificado como pressão, das que tiveram mais ocorrências ao redor e até 10 km², o que é classificado como ameaça.
No caso do avanço da derrubada sobre os territórios, apesar do Acre ser o segundo menor estado da Amazônia Legal, possui duas áreas protegidas entre as 10 mais pressionadas. Além da líder Resex Chico Mendes, que já havia aparecido em terceiro lugar no ranking do mesmo período no ano passado, agora o Parque Nacional (Parna) da Serra do Divisor também entrou na lista.
Seguem as áreas protegidas mais pressionadas e mais ameaçadas da Amazônia entre julho e setembro de 2022:
Apesar da triste notícia sobre a Resex Chico Mendes, as Reservas Extrativistas continuam atual e totalmente em consonância com os principais resultados obtidos pela última conferência mundial sobre as mudanças climáticas. A COP 27 concluiu que é necessário acelerar a redução das emissões globais, escalar exponencialmente ações de adaptação climática e ampliar os fluxos de financiamento para projetos de impacto socioambiental como os modelos das Resex.
A curta visão do Estado nacional e local não tem permitido visualizar a prática da preservação da floresta como atividade econômica sustentável. Não lhe permite ver sua rentabilidade. Não se percebe que, em vez de ser atrasado, é, dentre os diversos paradigmas da administração ambiental, o mais moderno e para onde, cedo ou tarde, devem convergir todas as propostas de desenvolvimento, em qualquer parte do mundo.
Orlando Sabino escreve às sextas-feiras no Juruá Online