“Durante muito tempo, as pessoas disseram que as pessoas negras não poderiam fazer alguns esportes. E a gente vê hoje, a primeira medalha [da ginástica olímpica feminina brasileira] é de uma menina negra. Tem uma representatividade muito grande atrás de tudo isso”, disse em lágrimas a ex-ginasta Daiane dos Santos na quinta-feira (29/7), durante a transmissão da prata conquistada nos Jogos Olímpicos por Rebeca Andrade, de 22 anos.
“É uma mulher, uma menina que veio de uma origem muito humilde, foi criada por uma mãe solo como a dona Rosa — porque o pai da Rebeca é vivo, mas não é presente na vida dela —, aguentou tudo que ela aguentou, todas as lesões, e está aí hoje, para ser a segunda melhor atleta do mundo. Uma brasileira.”
A emocionante fala de Daiane, ela mesma uma mulher negra e a primeira medalhista do Brasil em Mundiais da ginástica, trouxe para os holofotes uma outra figura feminina forte: Rosa Santos, mãe orgulhosa da ginasta Rebeca Andrade.
Empregada doméstica e mãe solo de sete filhos em Guarulhos, na Grande São Paulo, dona Rosa apoiou o talento da filha desde cedo.
“Muitos me criticaram na época, porque logo aos 9 anos ela [Rebeca] foi morar fora, foi se dedicar aos treinos”, disse a mãe, em entrevista ao portal UOL.
“Diziam ‘você é doida de deixar sua filha ir embora’. Mas eu tive a sabedoria e a mente aberta para deixá-la seguir seus sonhos. Eu deixei que ela voasse atrás de um objetivo. Deixando também claro que se não desse certo, as portas de casa sempre estariam abertas para ela. Hoje eu vejo que agi certo, por ter ouvido o meu coração.”
Ajuda dos filhos e apoio nas lesões
Rosa contava com a ajuda do filho mais velho para levar Rebeca de bicicleta ou a pé para os treinos, quando não tinha dinheiro para a condução.
“Quando eles viram que ela tinha esse talento, eles [os irmãos de Rebeca] se dedicaram. Quando ela achava que era hora de parar porque não tinha dinheiro para condução, o irmão falava: ‘eu levo ela a pé’. A distância era de duas horas caminhando”, disse Rosa em entrevista à Rádio Bandeirantes logo após o pódio da filha.
Ao lado de Rebeca no começo da carreira, dona Rosa também estava lá quando a intensa rotina de treinos levaram a atleta a sofrer lesões. Rebeca teve de operar o joelho três vezes entre 2015 e 2019 e, em uma dessas cirurgias, pensou em desistir.
“Eu falava: ‘Você não pode desistir sem tentar. Só acabou para você depois que você se recuperar e treinar. Vai conhecer seu corpo novamente'”, contou Rosa no programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo.
Nas redes sociais, Rebeca define a mãe como “a melhor do mundo” — Foto: Reprodução/Instagram
A saúde mental dos atletas de alto desempenho está em debate, após a ginasta americana Simone Biles desistir da final olímpica por equipes e a tenista japonesa Naomi Osaka se retirar do Aberto da França.
Rosa considera que atuava como uma “psicóloga”, quando Rebeca passava por momentos difíceis.
“Sempre incentivei meus filhos a por os problemas para fora. A expor o que sentiam. E com a Rebeca não foi diferente”, disse ao UOL.
“Eu argumentava com ela: a cobrança faz parte dos treinos. É como se o Chico [o treinador de Rebeca] fosse um professor que cobra seus alunos. E ela se tranquilizava, porque fora dos ginásios, o Chico representava a figura do pai que ela não teve em seu dia-a-dia.”
Rebeca Andrade foi prata no individual geral em Tóquio 2021 — Foto: Reuters
O Brasil inteiro vibrou com o triunfo de Rebeca ao som de Baile de Favela, mas, para dona Rosa, a vitória teve um gosto ainda mais especial.
“Estou muito orgulhosa, feliz demais. Durante a competição não consegui pensar em nada, mas quando veio a medalha passou um filme. Eu me lembrei da Rebeca aos 3 anos dando estrelinha sem mão. Vieram à mente também os obstáculos que tivemos que enfrentar e que conseguimos”, disse a Fátima Bernardes nesta quinta-feira.
“Ainda bem que ela seguiu os meus conselhos e trouxe a medalha. É uma prata com sabor de ouro.”
Via-G1