O ano era 2013 e seu filho tinha duas semanas de idade. Ele o havia colocado em uma esteira “talvez de forma um pouco mais bruta do que deveria”, relembra ele.
Na época, incapaz de pensar com clareza, ele tinha certeza de que tinha errado. E, como pediatra, ele sabia que sacudir o bebê pode causar lesões cerebrais e até a morte. Ele ficou horrorizado.
A dor e a frustração de Levine vinham se acumulando desde o nascimento da criança. Como muitos recém-nascidos, levou tempo para que o bebê se ajustasse ao mundo exterior. Mas, para Levine, a impressão era que ele chorava sem parar.
“Eu levei para o lado pessoal, ‘estou falhando, não estou fazendo meu trabalho aqui'”, ele conta. “E também comecei a sentir que era dirigido a mim, que o meu filho estava chorando porque não gostava de mim.”
Levine adorava crianças. Desde que começou sua carreira como pediatra em Nova Jersey, nos Estados Unidos, ele havia ouvido de vários pais: “você será um pai muito bom algum dia.”
Ele havia ficado entusiasmado quando sua esposa ficou grávida e deu à luz. Levine se sentia útil quando ela teve dificuldades para amamentar e podia usar seu conhecimento médico para ajudar a incorporar a fórmula na alimentação do bebê.
Mas, depois, o seu papel mudou. Ele não precisava ser médico; ele precisava ser pai. E, quando surgiram as dificuldades com as tarefas práticas da paternidade, como fazer seu filho parar de chorar, Levine achou que a culpa fosse dele.
“Foi quando as coisas começaram a se agravar”, ele conta. Levine menosprezava seu filho e gritava com ele. Ele começou a ver imagens de violência com seu filho e consigo próprio. E não sabia como fazer as coisas melhorarem.
“Eu dizia para a minha esposa que era o fim da nossa vida”, relembra. “Tudo o que eu conseguia visualizar era o ciclo de desespero que seriam as nossas vidas.”
No seu trabalho como médico, Levine examinava as mães para diagnosticar possíveis casos de depressão pós-parto (DPP), uma doença depressiva que aparece no primeiro ano depois de dar à luz. Ela é normalmente considerada uma condição feminina. Mas poderia ocorrer também com os pais?
Levine nunca havia ouvido falar nisso e não era o único. A DPP é uma condição de saúde mental que pode fazer com que as mães e os pais se sintam mal permanentemente, apáticos ou até com pensamentos suicidas no primeiro ano após o parto.
É um fenômeno bem conhecido entre as mulheres, embora ainda permaneça subdiagnosticado em todo o mundo e nem sempre seja adequadamente tratado, o que às vezes traz consequências trágicas. O que é menos conhecido, mesmo entre os médicos, é que os homens também podem ter depressão pós-parto.
Muitos dos recursos que podem ajudar no diagnóstico e tratamento da DPP (que vão desde os questionários de diagnóstico usados pelos médicos até as redes de apoio, como grupos de pessoas) foram estabelecidos para as mulheres. Mesmo os sintomas normalmente associados à depressão pós-parto costumam referir-se mais às mulheres do que aos homens.
Acrescente-se a isso a estigmatização que os homens podem sentir ao expressar problemas de saúde mental e os especialistas afirmarão que não são apenas as mães que estamos deixando de diagnosticar com DPP. Milhões de pais deprimidos podem também estar desamparados.

Doença escondida
“Embora tenha aumentado a circulação de informações sobre as doenças mentais, como a depressão pós-parto nas mulheres, é fato que ela tem sido muito menos reconhecida nos homens”, afirma Grant Blashki, consultor clínico da organização australiana de saúde mental Beyond Blue.
Ainda assim, estima-se que cerca de 10% dos pais sofram depressão no primeiro ano após o nascimento do bebê, o que é o dobro da incidência dessa condição na população geral masculina. E há pesquisas que indicam que 10% talvez seja muito pouco. No período de três a seis meses após o parto, cerca de um em cada quatro pais exibe sintomas de depressão.
Muitos pais também sofrem de ansiedade generalizada, transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) e estresse pós-traumático, segundo Daniel Singley, psicólogo em San Diego, na Califórnia (Estados Unidos), especializado em problemas masculinos. Mas relativamente poucos desses homens expressarão seus problemas (ou mesmo acreditarão que têm um problema, para começar).
“Na minha experiência, é interessante que, mesmo entre pessoas com boa escolarização ou profissionais de saúde, ainda haja alto nível de estigmatização sobre os problemas de saúde mental entre os homens”, afirma Grant Blashki. “E isso pode resultar em negação, baixa procura de ajuda ou na sensação de que você deveria simplesmente resolver aquilo sozinho.”
Geralmente, os homens tendem a evitar cuidados médicos, mais do que as mulheres. No Canadá, por exemplo, pesquisadores concluíram que cerca de oito em cada dez homens não procuram assistência médica a menos que suas parceiras os convençam.
Mas também existem, em muitos casos, sensações de constrangimento ou vergonha por ser um homem (especialmente um pai) com depressão.
“[Os homens] realmente não querem buscar ajuda para a saúde mental, pois isso é estigmatizado e feminizado. E eles com certeza não querem buscar ajuda durante o período perinatal”, afirma Singley.
Ele prossegue explicando que, em casais heterossexuais com filhos, a mensagem normalmente recebida pelo pai é de que a gravidez e o parto fazem parte do universo feminino.
Os pais podem ser excluídos das consultas pré-natal, dos cursos ou até do próprio parto. Quando estão presentes, muitas vezes são instruídos apenas a oferecer apoio, independentemente da ansiedade e do medo que eles também possam estar sentindo.
Singley ressalta que esse tipo de mensagem ativa o estereótipo masculino de “prover e proteger”, ignorando um elemento fundamental: os pais precisam apoiar as mães, mas eles também precisam de apoio.
Como disse um pai aos pesquisadores de um estudo recente no Reino Unido, “olhando em retrospectiva, as instituições, a família e eu próprio nos concentramos em como eu apoiaria minha esposa e a ênfase era que eu permanecesse forte”.
‘Nós precisamos ser a rocha’
É claro que existe a pressão dos estereótipos masculinos. Se os pais devem ser fortes e fornecer apoio, o que acontece com eles se tiverem depressão?
No mesmo estudo britânico, outro participante afirmou que se “sentia um fracasso, não um verdadeiro homem”. Outro perguntou: “que tipo de homem fica com depressão depois de ter um bebê?”
E alguns eram ainda mais duros consigo próprios sobre receber tratamento. Um homem que recebeu licença do trabalho depois de um diagnóstico de problema de saúde mental afirmou que, quando ficou difícil formar uma nova rotina com o bebê, a sua depressão piorou, “pois eu senti que não estava apenas fracassando como pai, mas como marido”. Já outros mencionaram preocupações com a possibilidade de suas parceiras os deixarem.
“Ainda são frequentes muitos mitos sobre problemas de saúde mental como sinal de fraqueza ou algo que o homem deveria simplesmente poder resolver sozinho”, concorda Blashki. “Esse tipo de mito pode ser intensificado pela sensação de que o homem deveria ser a parte forte durante essa grande fase de transição para a mãe e o bebê.”
Levine, por exemplo, só contou para sua esposa como era forte a sua DPP cerca de um ano mais tarde, quando, depois de conversar sobre DPP com um paciente, que indicou seu nome adiante, foi convidado a compartilhar sua experiência no programa de entrevistas de Charlie Rose, nos Estados Unidos.
“Ela não sabia que eu tinha depressão”, relembra. “Ela não sabia que eu tinha certos sentimentos com relação ao nosso filho. E ela também não sabia que parte da razão por que nunca contei a ela foi porque eu achava que cairia no seu conceito.”
“Os homens não falam sobre seus sentimentos, certo? Nós precisamos ser a rocha para nossas esposas. Eu não tinha ninguém com quem falar sobre isso. E achava sinceramente que, se eu contasse para ela, ela iria me deixar. E a minha esposa é uma pessoa maravilhosa”, prossegue Levine.
Universo feminino
Outro obstáculo é o fato de que a depressão pós-parto muitas vezes é associada principalmente às mulheres. Por isso, é menos provável que um homem, ou as pessoas à sua volta, incluindo profissionais médicos, reconheçam os sintomas da DPP.
É verdade que quem dá à luz tem mais possibilidade de ter depressão no período pós-parto que os seus parceiros. Um estudo concluiu que, em média, cerca de 24% das mães têm depressão, contra 10% dos pais. E também é verdade que parte dos motivos da DPP das mães são as mudanças hormonais no cérebro que acontecem ao dar à luz.
Os sintomas também tendem a ser diferentes nos homens e nas mulheres. Enquanto a imagem comum da DPP pode ser uma mãe chorosa e incapaz de sair da cama, os pais com DPP são mais propensos a adotar comportamentos de fuga: aumentar a carga de trabalho, por exemplo, ou passar mais tempo ao telefone. E eles estão mais sujeitos a abusar de substâncias ou do álcool e a ser indecisos, irritáveis ou autocríticos.
“Às vezes, [os homens] mostram o que chamamos de ‘apresentação depressiva masculina mascarada’, que parece um pouco diferente da forma típica em que pensamos sobre a depressão”, afirma Singley. “Pode haver tendência à somatização”, que é a presença de sintomas clínicos em vez de emocionais, como dores de estômago ou enxaquecas.
Algumas pessoas afirmam que os pais não estão sofrendo DPP “real”, mas sim depressão genérica, um pensamento exacerbado pelo fato de que os pais são mais propensos à depressão pós-parto se já tiverem sofrido depressão anteriormente.

Embora haja alguma verdade nisso, é algo enganoso, segundo Michael Wells, professor do Departamento de Saúde da Mulher e da Criança do Instituto Karolinska em Estocolmo, na Suécia, e pesquisador de saúde pós-parto e DPP masculina.
Na verdade, não só os pais são mais propensos à depressão pós-parto se tiverem sofrido depressão no passado, mas também as mães. “Não são só os hormônios”, afirma Wells.
Além disso, pesquisas recentes concluíram que os hormônios dos pais também se alteram desde o período pré-natal. Os níveis de testosterona dos pais caem durante a gravidez da parceira, por exemplo, enquanto o estrogênio aumenta mais para o final da gestação. E existem evidências de que a DPP paterna possa estar relacionada com essas alterações.
Causas psicológicas à parte, mães e pais comprometidos enfrentam uma série de mudanças depois que o bebê nasce.
“O ajuste ao novo bebê, mudanças no relacionamento, mudanças na vida sexual do casal, novas responsabilidades, lidar com o estresse do parceiro e pressões financeiras”, afirma Blashki. “Pode ser, de forma mais geral, uma época de reflexão sobre a identidade da pessoa e muitos homens podem ficar preocupados com a responsabilidade necessária para cuidar de um bebê.”
Fatores de risco específicos podem também fazer com que alguns pais sejam mais propensos à DPP. Um deles é a saúde mental da parceira. O risco de o pai desenvolver depressão pós-parto é mais de cinco vezes maior se a mãe tiver DPP (e, se o pai tiver DPP, a mãe também é mais propensa a desenvolver a condição).
Outros fatores de risco incluem a falta de estabilidade no emprego, gravidez não planejada, baixa satisfação no relacionamento, falta de informação sobre a gravidez e o parto, pouco apoio social, falta de sono e expectativas irreais da paternidade.
É interessante observar que nós associamos a DPP aos pais novos, mas a pesquisa desenvolvida por Wells e seus colaboradores concluiu que não são apenas os pais de primeira viagem que apresentam risco de depressão pós-parto. Muitos pais com outros filhos também desenvolvem DPP.
O fato de que mesmo alguém como Levine, que tinha um emprego e um casamento estáveis, nenhum histórico de problemas de saúde mental e pleno conhecimento médico sobre a gravidez e os bebês, pudesse ter DPP tão rápida e profundamente demonstra que essa condição pode afetar qualquer pessoa.
De sua parte, Levine acredita que sua DPP tenha sido exacerbada por não compreender totalmente como pode ser difícil ser pai, ou qual era o comportamento normal dos recém-nascidos. Ele não percebeu que muitos bebês simplesmente acordam com frequência ou choram muito. E achava que a culpa era dele próprio.
Onde buscar ajuda?
– Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e Unidades Básicas de Saúde (UBS) — clínicas da família, postos e centros de saúde;
– Unidade de Pronto Atendimento (UPA 24h);
– Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192);
– Hospitais;
– Prontos-socorros;
Apoio emocional e prevenção ao suicídio:
– Centro de Valorização da Vida (CVV) — funciona 24 horas por dia pelo telefone 188 (ligação gratuita de qualquer linha telefônica fixa ou celular), e também atende por e-mail e pessoalmente.
Por BBC News